11.03.2012

Cello Suite


Um som. Algo subtil; quase pérfido percorria pelos aglomerados de habitações desleixadas. Era um quase-que; uma maçã presa por um fio á frente de um burro para o fazer andar. Convidava a entrar por adentro das ruas caiadas de escuridão. Uma sombra; um infinito; um tudo que desaguava no nada. Distingue-se edifícios por detrás dos mesmos, por cimas dos mesmos, porque os mesmos são mais que eles; Nasce uma curiosidade, um desejo do desconhecido. Cuidado que é perigo! Pensam indivíduos que se passam por entendidos. Valorizam um pedaço de carne já meio putrefacta. Uma pena; daria para salvar e dar aos necessitados ou aos apreciadores e especialistas. Não interessa. Mundano. Não se valoriza. Um ruído persistente lá fora. Não! Vários. Um carro a derrapar no asfalto. A chuva a desafiar o vidro das janelas. O vento assobia por entre os ramos e as folhas não resistem. Deixam-se largar depois de tanto esforço. E rodopiam no turbilhão que a ventania gera. E depois o silêncio. Mórbido e frio. Assustador, assassino! Esse sim é o pior som. É a melodia que não se ouve. E deixa a expectativa pairar durantes instantes infinitos. O fim que se julga longe. O começo que ainda nem veio. Nem virá. Deceção. Mais outra. E mais outra. E depois recomeça tudo de novo. Um carro a derrapar no asfalto. A chuva a desafiar o vidro das janelas. O vento assobia por entre os ramos e as folhas não resistem. Deixam-se largar depois de tanto esforço. E depois o silêncio volta para um segundo assalto. Todos se levantam e apreciam o belíssimo espectáculo. Aplaudem e fazem ovações. Não se questionam. Mas também quem o fará? Quem o faria? Os que se tomam por loucos, ou que são tomados por inconscientes. A ironia presente na cidade adormecida. O fim aproxima-se. E o céu continua gelado. Lá fora geme a trovoada. Cá dentro uma chávena de chá oscila com o pequeno toque de um sopro. Um assobio. Um pássaro. Um ser que se esconde na quietude. Na cidade.

Um tiro no escuro. Um beco sem saída. Acabava ali. No entanto queria ir mais para dentro da espiral, mergulhando com toda a sua consciência no buraco sem fundo. Um salto de pára-quedas. Queda livre. E lá em baixo esperava que um colchão a recebesse depois da sua investida sobre o céu. Uma loucura. O impulso de que espera não se arrepender. Mas vai. Porque nada dura para sempre. E o pensamento é efémero. As memórias são subjectivas; e os sonhos inalcançáveis. O caminho divide-se e volta a si mesmo demasiadas vezes. Ela cansa-se. Não desiste. É um hábito criado. Andar por andar. Andar para não correr. Andar para não fugir. Mas tenta sempre fugir. Há medo. Há insegurança. Foge! Corre! Oh mas de que vale a pena? Escusado será esconder-se da sua sombra. Uma tormenta que a persegue. E de tormentas já ela se enfadou. De tantas que foram e já assistiu. Cansou-se de ver as estações passarem e o jardim permanecer queimado. Um fogo devastador. Lembra-se ela, todos os dias. Um calor abrasador. Tudo sucumbiu ao poder das línguas vermelhas que reduziram o tudo a um nada levado pelo vento o que se deparasse com ele. Um nada que se espalhou; invisível. E ela tentava apanhá-lo e esconder os vestígios do fogo. Perdeu-se ao chegar tão longe. De que vale ir até ao fundo se não der para voltar à tona? Uma questão permanente em cada movimento. Uma dúvida persistente que insistia em correr às voltas. E dançar lá no alto. Lá no baixo da sua alma. E os movimentos eram bruscos e espontâneos. Mas eram também cuidadosos. E ela lá se deliciava a ver a coreografia elaborada pelos seus tormentos. Que exuberante que era! Para quê deparar-se com um incêndio semelhante que ela sabia que seria mais intenso do que qualquer outro? As estações passavam; a chuva jorrava do céu; o Sol cintilava reflectido na água. Mas Éden permanecia inalterável. Carvão; negro e quebradiço. Um sopro ao de leve e metade levantaria  e seria espalhado por algures. No desconhecido iria jazer uma antes orquídea, reduzida a cinza. Decida estava. Pegaria de novo fogo a Éden, e sopraria mais tarde o que sobrou e resistiu ao vermelho assassino que ela própria tinha pintado.