Um som. Algo subtil; quase pérfido percorria pelos
aglomerados de habitações desleixadas. Era um quase-que; uma maçã presa por um
fio á frente de um burro para o fazer andar. Convidava a entrar por adentro das
ruas caiadas de escuridão. Uma sombra; um infinito; um tudo que desaguava no
nada. Distingue-se edifícios por detrás dos mesmos, por cimas dos mesmos,
porque os mesmos são mais que eles; Nasce uma curiosidade, um desejo do
desconhecido. Cuidado que é perigo! Pensam indivíduos que se passam por
entendidos. Valorizam um pedaço de carne já meio putrefacta. Uma pena; daria
para salvar e dar aos necessitados ou aos apreciadores e especialistas. Não
interessa. Mundano. Não se valoriza. Um ruído persistente lá fora. Não! Vários.
Um carro a derrapar no asfalto. A chuva a desafiar o vidro das janelas. O vento
assobia por entre os ramos e as folhas não resistem. Deixam-se largar depois de
tanto esforço. E rodopiam no turbilhão que a ventania gera. E depois o
silêncio. Mórbido e frio. Assustador, assassino! Esse sim é o pior som. É a melodia
que não se ouve. E deixa a expectativa pairar durantes instantes infinitos. O fim
que se julga longe. O começo que ainda nem veio. Nem virá. Deceção. Mais outra.
E mais outra. E depois recomeça tudo de novo. Um carro a derrapar no asfalto. A
chuva a desafiar o vidro das janelas. O vento assobia por entre os ramos e as
folhas não resistem. Deixam-se largar depois de tanto esforço. E depois o
silêncio volta para um segundo assalto. Todos se levantam e apreciam o
belíssimo espectáculo. Aplaudem e fazem ovações. Não se questionam. Mas também
quem o fará? Quem o faria? Os que se tomam por loucos, ou que são tomados por
inconscientes. A ironia presente na cidade adormecida. O fim aproxima-se. E o
céu continua gelado. Lá fora geme a trovoada. Cá dentro uma chávena de chá
oscila com o pequeno toque de um sopro. Um assobio. Um pássaro. Um ser que se
esconde na quietude. Na cidade.
11.03.2012
Um tiro no escuro. Um beco
sem saída. Acabava ali. No entanto queria ir mais para dentro da espiral,
mergulhando com toda a sua consciência no buraco sem fundo. Um salto de
pára-quedas. Queda livre. E lá em baixo esperava que um colchão a recebesse
depois da sua investida sobre o céu. Uma loucura. O impulso de que espera não
se arrepender. Mas vai. Porque nada dura para sempre. E o pensamento é efémero.
As memórias são subjectivas; e os sonhos inalcançáveis. O caminho divide-se e
volta a si mesmo demasiadas vezes. Ela cansa-se. Não desiste. É um hábito
criado. Andar por andar. Andar para não correr. Andar para não fugir. Mas tenta
sempre fugir. Há medo. Há insegurança. Foge! Corre! Oh mas de que vale a pena?
Escusado será esconder-se da sua sombra. Uma tormenta que a persegue. E de
tormentas já ela se enfadou. De tantas que foram e já assistiu. Cansou-se de
ver as estações passarem e o jardim permanecer queimado. Um fogo devastador. Lembra-se
ela, todos os dias. Um calor abrasador. Tudo sucumbiu ao poder das línguas
vermelhas que reduziram o tudo a um nada levado pelo vento o que se deparasse
com ele. Um nada que se espalhou; invisível. E ela tentava apanhá-lo e esconder
os vestígios do fogo. Perdeu-se ao chegar tão longe. De que vale ir até ao fundo
se não der para voltar à tona? Uma questão permanente em cada movimento. Uma dúvida
persistente que insistia em correr às voltas. E dançar lá no alto. Lá no baixo
da sua alma. E os movimentos eram bruscos e espontâneos. Mas eram também
cuidadosos. E ela lá se deliciava a ver a coreografia elaborada pelos seus
tormentos. Que exuberante que era! Para quê deparar-se com um incêndio
semelhante que ela sabia que seria mais intenso do que qualquer outro? As
estações passavam; a chuva jorrava do céu; o Sol cintilava reflectido na água. Mas
Éden permanecia inalterável. Carvão; negro e quebradiço. Um sopro ao de leve e
metade levantaria e seria espalhado por
algures. No desconhecido iria jazer uma antes orquídea, reduzida a cinza. Decida
estava. Pegaria de novo fogo a Éden, e sopraria mais tarde o que sobrou e
resistiu ao vermelho assassino que ela própria tinha pintado.
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