9.17.2011

Naquelas páginas de livro, páginas casca-de-ovo, provenientes de milhares/milhões de árvores, que se folheiam e devoram ao passar dos olhos pelos códigos de grafia da língua materna do país, onde se encontram, certamente, as mais cruéis combinações de simples e insignificantes palavras . Abalam qualquer um que tenha uma pinga de compaixão pelo ser desconhecido e, maioritariamente, fictício; alguém não real, apenas impresso e copiado, nas mãos dos interessados em conhecer as histórias que inundam e, quantas vezes, atormentam a mente fértil dos seus autores . Outros exemplares, cópias deles mesmos, ganhando pó pousados ao cima de uma secretária, ou encostados a outros com o mesmo (ou não) significado e importância numa estante, para que talvez um dia pegue neles e se perca uma vez mais nas imagens subentendidas descritas pelas palavras do seu criador. Um mundo que não nos pertence, um universo alternativo, mas não paralelo, onde ao se desvendar, a pouco e pouco, uma obra que ao início é abstracta, torna-nos lúcidos da maneira mais louca, onde deixamos um ideal ultrapassado . E nesse viver não-tão real, acabamos por deixar de pensar que são linhas paralelas e aceitamos de boa-vontade a ideia de que os dois mundos se intersectam num ângulo de ou que hão-de ser duas linhas curvas, que vão e voltam, se afastam e se encontram, quais amantes desconhecidos que se desejam sem saber e sem se deixarem revelar ao outro, conforme é delineado pelos traços do destino .
E com efeito, descobre-se o que é viver na pele, sem ser o que realmente somos, e sem sentir realmente em nós, mas sem deixar de sentir, o que é viver em desespero e ilusão, viver duma esperança e morrer em vão, imaginar um amor, e sofrer uma pena trágica . Cada sentimento é uma torrente de sensações e com elas vêm o desejo de viver o que acontece nas vírgulas e nas entrelinhas que se presenciou apenas no pensamento, ou o desespero e pânico ao se aperceber de uma abominável desgraça iminente . A hipótese remota de nos assemelharmos a qualquer narrativa tanto pode ser altamente desejada como nos enche de um medo irracional .
E, aos olhos mais atentos, há sempre, por ínfima que seja, semelhança entre o presente real, que é vivido na existência de todos os dias, e a ficção deliciante de uma obra que acaba no auge, marcando quem quer adapte e interprete cada alma desenhada em criptogramas e hieróglifos da linguagem comum/corrente .
Admitamos, que a finalidade de assimilarmos o que nos é transmitido por escrito é encontrar o equilíbrio perfeito entre o eufemismo de uma existência relativamente enfadada e a hipérbole dos contos de valor inestimável ditados em pedaços de um papiro moderno sem valor algum .
"Apenas recordamos o que nunca aconteceu..." Carlos Ruiz Zafón

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